1. Tratando-se de um contrato de compra e venda firme, a LG - Lei das Garantias (DL 67/2003, de 8 de Abril), estabelece uma presunção de não conformidade (a coisa adquirida tem de ser conforme com o contrato), se se verificar qualquer das circunstâncias seguintes:
• Não serem conformes com a descrição que deles é feita pelo vendedor ou não possuírem as qualidades do bem que o vendedor tenha apresentado ao consumidor como amostra ou modelo;
• Não serem adequados ao uso específico para o qual o consumidor os destine e do qual tenha informado o vendedor quando celebrou o contrato e que o mesmo tenha aceitado;
• Não serem adequados às utilizações habitualmente dadas aos bens do mesmo tipo;
• Não apresentarem as qualidades e o desempenho habituais nos bens do mesmo tipo e que o consumidor pode razoavelmente esperar, atendendo à natureza do bem e, eventualmente, às declarações públicas sobre as suas características concretas feitas pelo vendedor, pelo produtor ou pelo seu representante, nomeadamente na publicidade ou na rotulagem.
2. Não se considera existir falta de conformidade, na acepção do presente artigo, se, no momento em que for celebrado o contrato, o consumidor tiver conhecimento dessa falta de conformidade ou não puder razoavelmente ignorá-la ou se esta decorrer dos materiais fornecidos pelo consumidor.
3. A falta de conformidade resultante de má instalação do bem de consumo é equiparada a uma falta de conformidade do bem, quando a instalação fizer parte do contrato de compra e venda e tiver sido efectuada pelo vendedor, ou sob sua responsabilidade, ou quando o produto, que se prevê que seja instalado pelo consumidor, o for pelo consumidor e a má instalação se dever a incorrecções existentes nas instruções de montagem.
4. Se a coisa padecer do vício de não-conformidade, isto é, se não estiver em conformidade com o contrato, os remédios ao alcance do consumidor, sem obediência a qualquer hierarquização (i.é, pode lançar mão de qualquer deles), constam do artigo 4º da LG:
4.1 Aí se diz que o consumidor goza dos seguintes direitos:
“Em caso de falta de conformidade do bem com o contrato, o consumidor tem direito a que esta seja reposta sem encargos, por meio de reparação ou de substituição, à redução adequada do preço ou à resolução do contrato”.
4.2 Os direitos de resolução (extinção) do contrato e de redução do preço podem ser exercidos mesmo que a coisa tenha perecido ou se tenha deteriorado por motivo não imputável ao comprador.
5. O consumidor pode exercer qualquer dos direitos, contanto que não exceda os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim económico e social que lhes respeitam.
6. Se o direito exercido for o da extinção do contrato (por meio da figura da resolução), então há que analisar o regime do direito de que se trata.
7. A resolução (extinção do contrato por incumprimento) é admitida, nos termos do nº 1 do artigo 432º do Código Civil, tanto fundada na lei, como em convenção: no caso, é a lei que a admite expressamente - LG: nº 2 do artigo 5º.
7.1 A resolução do contrato pode fazer-se - e foi esse o meio adoptado - mediante declaração à outra parte.
8. Os efeitos da resolução, previstos no artigo 433º do Código Civil, decorrem da equiparação à nulidade ou anulabilidade do negócio jurídico, com excepções pontuais quanto à retroactividade ou os efeitos em relação a terceiros, sem qualquer relevância no que toca à hipótese em concreto sob análise.
8.1 Os efeitos da nulidade e anulabilidade são os que constam - e se aplicam à resolução - do nº 1 do artigo 289º do Código Civil:
“Tanto a declaração de nulidade como a anulação do negócio têm efeito retroactivo, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente”.
8.2 Logo, o consumidor restitui a coisa - e foi o que fez - e o vendedor devolve o preço.
9. Não pode o fornecedor recusar a devolução do preço, a contado, em numerário ou por outra forma que não onere o consumidor.
9.1. Daí que não possa impor-lhe, dando-lhe uma nota de crédito, que o consumidor tenha de gastar o dinheiro na firma, no estabelecimento do fornecedor.
9.2. E menos ainda impor - se a nota de crédito fosse lícita - um prazo de prescrição do crédito fosse de que lapso fosse.
10. Trata-se, afinal, de impor uma venda (forçada) ao consumidor, prática que é punida pelo nº 1 do artigo 29º do Decreto-Lei nº 143/2001, de 26 de Abril, que reza o seguinte:
“É proibido o fornecimento de bens ou a prestação de serviços ao consumidor que incluam um pedido de pagamento, sem que este os tenha previamente encomendado.”
11. As sanções cabíveis resultam do artigo 32º do diploma referenciado no nº precedente e traduzem-se em coima até 35.000€.
Em conclusão:
1- Se a coisa não é conforme ao contrato, a LG confere ao consumidor os seguintes direitos:
- extinção do contrato (por meio de resolução)
- redução do preço
- substituição
- reparação da coisa.
2. Se o consumidor recorrer à extinção do contrato (por meio de resolução por incumprimento, fundada na lei) - e o fizer licitamente, sem o abuso de direito - cumpre-lhe restituí-la e receber - por devolução - o preço: é o que resulta da equiparação - nos efeitos – da resolução do contrato à nulidade e anulabilidade dos negócios jurídicos - Código Civil - artºs 432º, 433º, 289º.
3. Se o fornecedor retiver o preço, não cumpre as obrigações a seu cargo e, para além da restituição, poderá ter de responder pelos prejuízos causados.
4. A imposição da nota de crédito subsume-se na figura da venda forçada que é proibida: LC – Lei do Consumidor: nº 4 do artigo 9º, Lei das Vendas Agressivas - DL 143/2001, de 26 de Abril - nº 1 do artigo 29º.
5. As coimas para o ilícito assim consubstanciado podem atingir 35.000€: Lei das Vendas Agressivas - artº 32º.
6. A reclamação deve ser deduzida no Livro de Reclamações e carreada à ASAE - Autoridade de Segurança Alimentar e Económica -, para os efeitos subsequentes.
http://oadvogado.direitonline.com/artigo/artigo.asp?id=34