Etapa 45
Lukla (VNKL) - Baghdogra, India (VEDB)
Distância : 480 km
Tempo de voo: 2:40
Combustível: 40 galões
Everest
Hoje é o grande dia. De todos os locais por onde tinha idealizado passar nesta volta ao mundo, o Everest está no topo das minhas preferências. Não há nenhum sítio do mundo que mais gostasse de conhecer.
Nos últimos dias tem nevado bastante, por isso a paisagem mudou radicalmente. Eu e o Comandante Trindade, entretanto já recuperado do aniversário, prontos para mais uma aventura.
É difícil em fotografia mostrar a inclinação da pista de Lukla. Aqui, no início da mesma dá para perceber que a largada é quase uma queda.
Visto que já sabemos que o nosso Cessna sobe até aos 20000 pés, o plano para hoje é retomar pelo vale até à planície e aí andar para trás e para a frente até subirmos pelo menos até aos 18500 pés e depois regressar ao vale e seguir até ao sopé do Everest. Na cartografia encontrámos um ponto de passagem a cerca de 19500 pés, por isso talvez consigamos passar por aí.
O dia não podia estar mais bonito. Sol e neve combinam na perfeição.
Temos pela frente uns penosos três quartos de hora até subirmos aos 18500 pés num circuito fechado.
Esta fase do voo foi bastante aborrecida. Os aviões são seres caprichosos e hoje os nossos não nos estão a ajudar. Os motores estão a render pouca potência e a subida é penosa e lenta. E para ajudar à festa, as nuvens adensam-se de minuto para minuto.
18500 pés e já a caminho do Everest.
Mesmo no meio de montanhas gigantes, que fariam sombra a qualquer outra em qualquer outro continente, o maciço do Everest com os seus 29000 pés, impõe-se duma forma muito especial. Com o avião a lutar com o ar rarefeito próximo dos 20000 pés, o Everest parece que flutua acima de todas as outras.
O famoso glaciar de khumbu, onde se situa o campo base do Everest e por onde partem os escaladores com grandes ambições,
Infelizmente hoje o avião não quer colaborar e não conseguimos subir o que queríamos. Frustrado por não ter a vista que queria da montanha decido tentar a passagem que tinha planeado. O Comandante Trindade que entretanto vinha mais atrasado, teve o tremendo bom senso de não arriscar e decide sair pelo vale por onde chegámos.
Isto foi um erro crasso que me pode custar muito caro.
O planalto à minha frente parece um beco sem saída e não vislumbro forma de o ultrapassar. Confuso e stressado pelo acumular de decisões mal ponderadas luto com o avião para me manter a voar e conseguir manobrar nesta apertada arena.
Com o discernimento provavelmente toldado pela situação, perdi-me e não encontro o ponto de entrada deste planalto. Foi com horror que verifico que o único vale de saída para altitudes mais baixas está bloqueado com nuvens que entretanto vão apertando o cerco. Arriscar por aí seria um suicídio por isso a minha única alternativa é mesmo encontrar o ponto por onde entrei.
Felizmente lá dei com a saída e já com o nevoeiro a apertar-me os calcanhares decido pirar-me para as planícies com o rabinho entre as pernas. Este foi mais um disparate que podia perfeitamente ter sido evitado. Qualquer dia acaba-se-me a sorte.
Com o céu praticamente coberto, a mim e ao Trindade só nos resta dirigir-mo-nos para um aeroporto nas planícies que permita aterragem com instrumentos.
Ao longe, o Everest a lembrar-me de um ditado que os alpinistas que o tentam têm sempre presente.
"Não somos nós que escolhemos a montanha. É ela que nos escolhe a nós."
Por pouco, eu não ia sendo um dos "escolhidos".
A partir daqui foi um voo sem espinhas. As nuvens felizmente iam tendo algumas abertas e não chegavam ao solo.
Aterragem super simples e com boa visibilidade.
Não foi o fim que queríamos para hoje mas foi o fim possível.
Estamos vivos para voar mais um dia, que é o que realmente importa.