Análise:
O quotidiano da vida humana reserva-nos alguns encontros bastante desagradáveis. Pessoas que não queremos encontrar, sítios onde não queremos estar e, sobretudo, criancinhas insuportáveis. Não sei se já vos aconteceu, mas não há nada do que ter um encontro imediato de terceiro grau com uma criança mimada protegida pelos progenitores que a mimaram. Contudo, após termos jogado The Orange Box é basicamente no que nos tornamos.
Costuma-se dizer, "Quando a esmola é grande, o pobre desconfia". Portanto, também nós encarámos esta caixa laranja com algumas reticências, sempre à espera de descobrir uma intenção menos sadia da Valve ao disponibilizar cinco jogos pelo preço de um. Procurámos, chegámos ao fim de Half-Life 2, Half-Life 2: Episode One, Half-Life 2: Episode Two e procurámos mais um pouco…Entretemo-nos com os delírios de Team Fortress 2 sem encontrar nada de suspeito e, num derradeiro esforço pusemos a cabeça em água com Portal. Conclusão: Não descobrimos nada que não tornasse The Orange Box numa entrega em que a relação preço/qualidade é absolutamente imbatível.
Justiça seja feita, apenas três destes jogos são uma novidade em absoluto. Half-Life 2 e o seu primeiro episódio são entregas dos anos de 2004 e 2006 respectivamente. É um bom acrescento para rever pormenores da narrativa que possam ter caído no esquecimento, mas apenas se aconselha a quem nunca os tenha jogado. Se ainda tiverem a narrativa bem presente na memória, não hesitem em começar no Episode Two, pois estarem a jogar os três jogos de uma assentada pode-se tornar numa experiência tão massiva que retira algum do protagonismo que cada uma das obras merece.
O Episode Two, bem maior do que o Episode One, quase que só por si valia a aquisição da Orange Box e arranca logo após o desfecho do anterior. Gordon Freeman, Alyx, DOG e uma série de surpresas marcam um crescendo de intensidade do início ao fim da narrativa. A componente Atirador na Primeira Pessoa é amparada por divertidas secções de condução, fazendo o contraponto com as mais monótonas secções de resolução de puzzles. Além de variarem a jogabilidade, estas secções são um ponto fulcral para o desenrolar da estória; pedaços de novidade encaixados com uma suave mestria no meio da acção. Uma experiência que se assemelha a subir um lancil de escadas em direcção ao apogeu. Um lancil longo, não demasiado íngreme, que tem a inteligência para fazer pausas, deixando o jogador respirar e tomar consciência do que acabou de experimentar. E no fim, quando já estamos estarrecidos, quando estamos a viver o jogo em pleno, no fotograma que precede aquilo que virá a ser um ponto marcante em toda a série Half-Life… tudo fica preto. O logótipo da Valve aparece e em seguida os créditos finais. Um final tão abrupto que nos deixa a morrer de ansiedade pela chegada do Episode Three, mas ao mesmo tempo furibundos por ainda faltar tanto tempo para a sua chegada.
Seria de esperar que todo o protagonismo de The Orange Box fosse canalizado para Half-Life, até porque é uma série com créditos firmados no panorama dos videojogos. Puro engano. Team Fortress 2 pela componente multijogador e Portal pela originalidade do conceito, conseguem em boa medida abafar os holofotes que pairam sobre o nome Half-Life 2 dentro da Orange Box.
Volvidos 11 anos sobre a primeira entrega da série, uma modificação do jogo Quake trabalhada por Robin Walker, John Cook e Ian Caughley, é agora chegada a altura da sua sequela se assumir como o melhor modo multijogador do momento. A compô-lo estão as mesmas nove classes do original, ou seja, Soldier, Demoman, Engineer, Scout, Sniper, Medic, Spy, Heavy e Pyro.
Sempre que morrem poderão trocar de classe, o que pode ser sinónimo de nove abordagens diferentes à mesma partida. Team Fortress 2 não muda o nome da classe apenas na teoria, na prática as diferenças têm a ver com habilidades próprias, por exemplo o médico pode curar os companheiros de equipa, o engenheiro construir equipamentos para infligir dano à facção inimiga, ou a habilidade de se disfarçar de classe inimiga a que apenas o espião tem direito.
Existe aqui um equilíbrio entre paródia e competitividade que demarca Team Fortress 2 dos demais títulos multijogador. Para já, na sua fase inicial, apenas peca por uma escassez de mais modos de jogo e mapas. Aliás, só temos ao nosso dispor um par de modos de jogo, Capture the Flag e Control Points, para serem jogados em meia dúzia de mapas.
A fechar esta maratona de quantidade e qualidade temos Portal, um jogo que tem tanto de simples como de viciante. Nós encarnamos Chell, uma cobaia dos Aperture Science Labs, que vai sendo guiada por GLaDOS, uma inteligência que controla os ditos laboratórios. Explicado quem somos, apenas resta explicar qual é o nosso papel em Portal, o cerne de todo o jogo.
Em nossa posse temos uma arma muito peculiar, a Portal Gun. Com ela, podemos criar portais que nos permitirão desafiar as leis da física. Cada portal tem uma entrada e uma saída, o que faz com que paredes, chão e tecto sejam, praticamente, tudo o mesmo plano para Chell. Por outras palavras, podemos criar um portal com entrada na parede ao nosso lado e saída no tecto do outro lado do cenário. É com esta simplicidade que Portal vos consumirá entre três a quatro horas, a média de tempo que demora a ser concluído.
Claro que durante o vosso trajecto terão alguns contratempos, obstáculos, botões de pressão que precisam de um objecto pesado para activarem uma porta e, como não poderia deixar de ser, metralhadoras fixas apontadas à vossa pessoa, que terão que ser enganadas dando uso à Portal Gun. Conforme se forem aproximando do final do jogo, os cenários vão começando a ficar mais complexos, os desafios mais complicados. E, de facto, é impressionante como até aqui a Valve conseguiu introduzir uma forte componente de humor, que culmina com a música que acompanha os créditos finais.
Mais do que um jogo, Portal é um conceito que a Valve poderá muito bem utilizar nas suas próximas aventuras. Para já, terminado Portal, podemos afirmar que mesmo curto, é um desafio interessante, destinado sobretudo a um jogador disposto a passar algum tempo a analisar trajectórias e, maioritariamente, que não tenha medo de tentar e errar as vezes que forem precisas até chegarem à passagem para o próximo nível.
Todo o grafismo de Orange Box pauta-se pela mesma batuta, ou seja, todo assenta no mesmo motor de jogo, o que não quer dizer que os ambientes não sejam distintos entre si. Half-Life 2 e os seus respectivos episódios entregam uma visão desoladora de um mundo pós-apocalíptico, imergindo-nos no caos e terror vivido por uma raça humana em risco. Ainda assim há que apontar o dedo a algumas texturas que parecem saídas da versão Xbox de Half-Life 2. Certas partes do jogo não amadureceram tão bem quanto seria de esperar, especialmente, se jogarmos Half-Life 2 numa televisão de alta definição, aparelho que faz com que o jogo perca pontos face à concorrência mais directa.
Fiel a si mesma, a Valve conseguiu dar continuidade à excelente animação dos personagens. Todas elas emanam personalidade e requintes muito próprios, sejam personagens principais ou secundárias. Até os inimigos, individualistas ou em turba conseguem sempre deixar o seu cunho pessoal bem vincado. É impossível não ficar arrebatado quando o nosso destino nos leva a encontros com Striders, máquinas pensantes que têm apenas um objectivo: aniquilar-nos.
Por outro lado, Team Fortress 2 tem um grafismo com uma forte componente "cartoonesca", influenciada pelo traço de Joseph Christian Leyendecker, artista americano falecido em 1951. Qualquer um que seja o mapa, podem contar com um cenário que rompe com o que estamos acostumados a ver neste género, quase a fazer lembrar o que a Ubisoft fez com XIII, o Atirador na Primeira Pessoa baseado na banda desenhada belga.
Resta apenas falar do grafismo utilizado em Portal, uma miscelânea de cenários futuristas, que parecem saídos do filme I Robot, e de salas idênticas às que foram vistas em Half-Life 2. O campo gráfico de Portal é relegado para terceiro plano, uma vez que 90% do jogo é focado na Portal Gun e no desenho dos cenários, não na maneira como eles nos ficam na retina.
Dito isto, há que referir que a versão PS3 não se comporta tão bem como as suas congéneres. Talvez o facto de não ter sido feita pela própria Valve, mas sim pela Electronic Arts tenha algo a ver com o resultado final. A optimização não é das melhores, um problema que se torna por demais evidente nas batalhas mais movimentadas de Episode Two, em que a frame rate desce abruptamente, sendo mesmo complexo apontar as nossas armas de forma eficaz. O problema não é constante, nem impede que se aprecie Episode Two na sua totalidade, mas obriga-nos a reiniciar algumas secções devido a uma morte que não se prende com a nossa habilidade como jogadores.
Os problemas continuam em Team Fortress 2, muito devido a um lag persistente e que deita por terra os timmings precisos que o jogo exige. Se bem que este seja um problema de servidor que poderá ser corrigido depois do lançamento, é sempre irritante abraçar um jogo online e não conseguir retirar dele todo o rendimento que esperamos devido a dificuldades técnicas.
Por último, e esta é uma ocorrência transversal a todos os títulos deste pacote, os tempos de carregamento são enormes quando comparados com as versões PC e, mais importante neste caso, 360. Mesmo em Portal, um jogo bastante mais simples em termos de estrutura e dados a carregar, mas em que a tentativa e erro ditam carregamentos constantes, estes chegam a ser desesperantes.
A banda sonora de Orange Box confunde-se com a banda sonora dos três jogos de Half-Life 2. Mesmo que a sua personagem principal, Gordon Freeman pareça sofrer um caso raro de mudez, os diálogos das outras personagens são o suficiente para que a estória seja bem explicada ao jogador. Todavia, a qualidade revela-se em pleno entrando na música que dita o ritmo dos confrontos mais marcantes. Não são muitos os momentos em que a música de fundo se faz sentir, mas quando o faz, fá-lo num tom muito perto da perfeição, com um timing de entrada que parece adivinhar aquilo que o jogador sente falta para que a experiência atinja outro patamar.
Os restantes jogos da "caixa" usam a vocalização em prol do humor, principalmente, Portal que tem na cantora de ópera Ellen McLain (GLaDOS), alguém que a cada de linha de texto que diga consegue fazer o jogador esboçar um sorriso. É um trabalho notável, principalmente se tivermos em conta que a mesma senhora também empresta a sua voz à personagem que faz os anúncios em Team Fortress 2, assim como vocaliza o Humanoid Combine. Será que a cantora de Nashville não estará interessada em mudar de profissão?
The Orange Box vale por cada um dos cinco jogos que contém, assim como pelo pacote global. A versão PS3 sofre de alguns problemas de optimização que prejudicam a sua performance mas, se gostam de Atiradores na Primeira Pessoa, têm aqui uma compra obrigatória, especialmente se ainda não tiverem jogado Half-Life 2 e o seu primeiro episódio. Tão cedo não vão encontrar outro DVD tão bem recheado, tanto em quantidade como em qualidade. Só faltou mesmo um grafismo mais cuidado nas aventuras de Gordon Freeman e companhia. Agora resta esperar e desesperar pelo terceiro capítulo, quem sabe inserido numa entrega tão bem recheada.
Gráficos: 85
Jogabilidade: 87
Som: 97
Valor: 100
Pormenores: 68
Total: 87 ( Muito Bom )
Relação qualidade/preço
Segundo capítulo de Half-Life 2 justifica a compra da Orange Box
Team Fortress 2 garante-vos longos meses de diversão
Trabalho fenomenal de Ellen McLain
Algumas secções d Half-Life 2 apresentam um grafismo datado
Team Fortress 2 exige mais mapas e modos de jogo para ser desfrutado em pleno
Problemas de framerate, em particular em Episode Two
Carregamentos bastante demorados
Lag ebastante pronunciado em Team Fortress 2, devido a problemas de servidor
Fonte: MyGames