Etapa 16
Lamezia Terme, Italia (LICA) - Bari, Italia (LIBD)
Distância : 260km
Tempo de voo: 1:15
Combustível: 11 galões
Pares de cuecas: 2
"Não há duas sem três", e depois de levar dois dias seguidos de mau tempo, o terceiro continuou muito cinzento.
Pelo menos, e ao contrário dos anteriores, hoje o céu parece ter umas abertas e espero não ter problemas de maior.
Visto que a meteorologia indicava mau tempo, especialmente na primeira metade do voo, mais junto ao aeroporto de partida, e esta zona é particularmente montanhosa, resolvi fazer os primeiros quilômetros junto à costa Oeste para evitar as montanhas do interior e depois atravessar o país por cima da tempestade, que supostamente só iria até aos 12000 pés.
O início não foi nada de especial. Algumas nuvens mas tudo sob controle......ainda.
O problema foi que uns minutos mais à frente, o tempo começou a apertar. As nuvens adensaram-se bastante e a visibilidade desaparecia totalmente desde o solo. Nesta altura tomei a decisão de iniciar a subida o quanto antes para poder sobrevoar o mau tempo.
Já dentro das nuvens a visibilidade, como seria de esperar, desaparecia mas felizmente não havia
nem chuva nem turbolência.
No entanto, uma situação que parecia completamente sob controlo, rapidamente se deteriorava para níveis muito graves.
Como toda a gente sabe, à medida que a altitude sobe, as temperaturas descem.
Já próximo dos 10000 pés, quando já deveria começar a ver o céu azul acima de mim, nem sinal dele. E a temperatura já se aproximava perigosamente dos zero graus.
Quando finalmente saí das nuvens, a cerca dos 12000 pés o coração gelou-se-me. E infelizmente dentro de pouco tempo não seria só o coração.
Ao invés de me encontrar acima das nuvens, estava apenas numa clareira que ia até ao solo. E para piorar muito as coisas, por estar exposto ao ar frio da altitude, nesta clareira a temperatura caíu imediatamente para 4 graus negativos. E como se tudo isto não bastasse, o que me faltava subir para ficar acima das nuvens ainda era demasiado para o meu caracol sem evitar entrar nas nuvens.
Aqui uma vista do "buraco" que ia até ao solo.
Com estas temperaturas, assim que voltasse a entrar nas nuvens e como estas são feitas de água, iria-se formar seguramente gelo no meu avião. E visto que o meu avião não tem mecanismo descongelante, o perigo de perder a sustentabilidade e com isso cair era nesta altura muito real.
Tenho uns segundos para decidir se desço e tento encontrar ar mais quente ou arrisco a subida a fim de sair das nuvens.
Irei arriscar a subida. Já estou demasiado alto e a descida levaria muitos minutos e confesso que o aspecto das nuvens não me deu muita confiança se aguentaria muito tempo.
A subida, caso tudo corra bem, serão apenas mais uns segundos ou poucos minutos no máximo.
Preparei-me com aquela confiança que todos conhecemos dos tempos de escola em que não estudamos nada para os exames, eles correm-nos obviamente mal, mas até recebermos as notas há uma esperança irracional que talvez até tenhamos sorte.
Do que aconteceu de seguida, infelizmente não ficaram imagens. Foi demasiado intenso para me lembrar dos screensshots, mas fica o relato:
-Assim que penetrei nas nuvens, em poucos segundos as minhas piores previsões confirmaram-se. O gelo rapidamente começou a cobrir o para-brisas. Durante os primeiros segundos tive a mais previsível reacção nestas situações. Comecei por largar algum lastro que me obrigaria a trocar de cuecas à chegada, seguido de 10 segundos de todas as asneiras do meu curto reportório. Depois de reposto algum discernimento, apressei-me a afinar a mistura do avião para retirar toda a potência que conseguisse e pilotei o mais suave que pude para optimizar a subida e dessa forma talvez conseguir safar-me.
Felizmente, as nuvens só duraram uns poucos segundos e consegui, pelo menos, encontrar ar seco. Em principio o gelo não iria aumentar. Agora só tenho de ver se isto se aguenta.
Imagem à saída das nuvens.
o pior é o gelo nas superfícies de ataque do avião, que cortam a sustentabilidade do mesmo.
Felizmente, o gelo não foi suficiente para criar nada de muito grave. Foram poucos segundos nas nuvens e uma vez estabilizado o avião, era altura de pensar em regressar.
Apesar de ter perdido alguma performance, ainda tinha reserva de potência por isso o primeiro passo foi abrandar o motor antes que sobre-aquecesse.
Passados alguns minutos, comecei a avistar abertas na camada de nuvens. Tinha o voo estabilizado mas ainda precisava de baixar para altitudes mais quentes.
Aqui, já a altitudes bem menores, o pior já tinha passado. Agora é só esperar que o gelo derreta e continuar o voo.
Ainda demorou uns 15 minutos. Praticamente limpo de gelo.
Confesso que com esta situação, perdi completamente a vontade de passear. Só queria era meter o caracol no chão e acabar com este calvário. Ainda assim obriguei-me a tirar algumas fotografias. Isto foi tudo passado no sul de Itália.
Já perto da costa Oriental o tempo já era bem mais aberto.
Alguns aguaceiros soltos proporcionavam o aparecimento dos belos arco-iris.
A paisagem ao redor de Bari, é tipicamente Europeia com auto-estradas e cinturas industriais.
Aproximação à pista.
Gosto de voar, mas não há nada como o chão.
Quando iniciei este projecto já sabia que iria ter imprevistos e viver aventuras. Estava a contar com África, mas foi aqui à nossa porta que a coisa ia descambando.
Este foi um exemplo em como uma situação aparentemente simples pode degenerar num caso muito grave. Na aviação real o gelo é uma das maiores se não a maior causa de acidentes.
Agora é tempo de desanuviar, pensar no voo, analisar o que é que correu mal para que não volte a acontecer.
Ah, e já me esquecia.....de comprar mais uns pares de cuecas.